O
narcisismo, a superficialidade e o distanciamento, entre outras características
das relações virtuais, formam pessoas cada vez mais individualistas e egoístas.
Para a filósofa Hannah Arendt [Filósofa alemã naturalizada
norte-americana, 1906-1975] "o isolamento torna os indivíduos
manipuláveis e controláveis, como coisas". Quando ela analisou os
totalitarismos do século passado, apontou para o projeto desses sistemas
de tornarem os homens supérfluos. Para tanto, entre outros expedientes,
mantinham as pessoas isoladas umas das outras. Separavam-nas de seus
familiares, de suas comunidades, inclusive das pessoas com quem coabitavam nos
galpões dos campos de concentração, instaurando entre elas a suspeita e o medo
de delações.
Na nossa atualidade o isolamento tem um perfil diferente, porque é mais voltado
para a intensificação do individualismo, cujos interesses afastam-se a
cada vez mais das questões sociais. (...) Arendt tem pressuposto de sua
análise a condição humana, ou seja, o fato de vivermos entre homens e
jamais chegarmos a ser um ser humano nem mesmo os indivíduos que somos longe da
companhia dos outros. Os outros, tanto quanto o ambiente em que vivemos, nos
constituem, daí que, se o distanciamento interpessoal for se estabelecendo como nova
condição de existência, nossa própria humanidade poderá sofrer o impacto
de uma mutação.
Já em 1927, em seu livro Ser e Tempo, Martin Heideger [Filósofo
alemão, 1889-1976] percebia esse comportamento cotidiano dos indivíduos de
tomar tudo pelo aspecto e o nomeou de "avidez de novidades". O
que interessa é sempre a próxima novidade, o próximo assunto, a próxima
notícia... Também identificavam como "falação" um
comportamento complementar: todos falam sobre tudo, sabem de tudo, mas não
compreendem nada profundamente.
Parece que a "falação" e "avidez de novidades" estruturam a
participação nas redes sociais. As pessoas já estão acostumadas a comentários
rápidos e superficiais sobre tudo e todos. É fácil ver nesses comentários a
preocupação de cada qual em simplesmente dar sua opinião, mais do que ouvir a
alheia. A opinião do outro é apenas a oportunidade para se expressar a sua
própria. O outro parece importar, mas de fato não importa. Importam apenas a
própria posição e a autoexposição. Daí a constante informação sobre as
viagens, os pensamentos, as emoções, as atividades de alguém. É preciso
estar em cena e sempre. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, tem apontado
para a necessidade das pessoas, sobretudo dos jovens, de se ocuparem
sobremaneira com sua imagem nas redes socais. Elas precisam escolher as fotos
que melhor as apresentem, que as tornem atraentes e desejáveis. Aquelas que
não souberem se vender correm o risco da invisibilidade e
da exclusão.
Meu propósito, aqui, foi apenas o de levantar dados para uma reflexão. Mas
quero acentuar que essas tendências das redes sociais - a virtualidade,
o distanciamento, a superficialidade, a superfluição do ser
humano, a exposição narcísica, a ilusão de intimidade e popularidade,
a "falação" e a "avidez de novidades"... - constituem
o padrão de isolamento das relações pessoais. E quanto mais isolados, mais
ficamos à mercê de controles e manipulações. Cada vez mais
ameaçados na autoria do nosso destino pessoal e político.
Dulce Critelli. Tecnologia.
Revista Carta na escola. Editora Confiança, n. 81, novembro de 2013, p. 54-56.